Matemática para o pensamento crítico na era da IA: Repensar as práticas na sala de aula

AUTOR: Cristina Dias | cpsd@ipportalegre.pt

Num mundo cada vez mais moldado pela inteligência artificial (IA), pelos algoritmos e pela tomada de decisões automatizada, a matemática nunca foi tão relevante – ou tão mal compreendida. Embora os alunos possam ainda associar a matemática a fórmulas e exames, a sociedade exige atualmente algo mais profundo: a capacidade de interpretar dados, questionar pressupostos e aplicar o pensamento matemático a problemas da vida real. Para os professores de matemática do ensino secundário e superior, isto representa um desafio e uma oportunidade (Boaler, 2016).

O aumento da IA alterou o valor do conhecimento. Os cálculos que antes exigiam esforço são agora automatizados. O que não pode ser automatizado – e o que se torna mais valioso – é o pensamento crítico, o raciocínio e a capacidade de enquadrar matematicamente os problemas em situações desconhecidas (NCTM, 2018). Neste contexto, ensinar matemática como um conjunto fixo de regras ou procedimentos não é suficiente. Temos de fomentar nos alunos uma mentalidade de investigação, reflexão e adaptabilidade.

A forma como o ensino da matemática pode evoluir para responder a estas novas exigências depende da atenção dada ao pensamento crítico e da sua relevância nas aplicações interdisciplinares, mantendo o rigor matemático. É necessário Analisar e avaliar as novas estratégias práticas por forma a transformar a experiência na sala de aula – não abandonando os fundamentos, mas expandindo o seu objetivo, isto é, os professores podem ajudar os alunos a ver a matemática não como um obstáculo, mas como uma lente poderosa para compreender o mundo que os rodeia.

O pensamento crítico através da matemática

O pensamento crítico é frequentemente citado como um objetivo educativo fundamental, mas o que significa no contexto da matemática? Na sua essência, o pensamento crítico matemático envolve o raciocínio lógico, o reconhecimento de padrões, a análise de argumentos e a tomada de decisões informadas com base em provas quantitativas (Schoenfeld, 1992). Exige que os alunos se empenhem não só no cálculo, mas também na interpretação.

A educação matemática tradicional tem dado prioridade à fluência processual: a capacidade de resolver problemas utilizando passos estabelecidos. Embora importante, só por si não prepara os alunos para resolverem problemas desconhecidos ou complexos. Uma mudança no sentido do pensamento crítico significa pedir aos alunos que expliquem o seu raciocínio, explorem múltiplas vias de solução e critiquem argumentos falaciosos (Kilpatrick, Swafford, & Findell, 2001).

Consideremos um problema típico da sala de aula: “Resolver a equação em ordem a x: 2x + 5 = 13.” Este problema exercita a manipulação algébrica mas raramente convida à discussão. Pelo contrário, pedir aos alunos que criem um cenário do mundo real que conduza à equação, ou que justifiquem porque é que a solução faz sentido, promove uma compreensão mais profunda. Liga o trabalho simbólico ao pensamento concetual.

Além disso, os alunos devem ser incentivados a questionar os pressupostos. Que dados estão em falta? Que enviesamentos podem existir numa afirmação estatística? Até que ponto os métodos utilizados são fiáveis? Numa era de desinformação e sobrecarga de dados, estes hábitos mentais são essenciais (Kuhn, 1999).

Em última análise, a integração do pensamento crítico na matemática permite que os alunos utilizem a matemática não apenas como uma ferramenta para resolver problemas dos manuais escolares, mas como uma estrutura para raciocinar sobre o mundo real.

Relevância e aplicações reais

Outra mudança fundamental no ensino da matemática é a sua relevância. Quando os alunos perguntam: “Quando é que vou usar isto?”, estão a expressar uma necessidade de ligação. É preciso mostrar que a matemática tem importância para além da sala de aula (Niss, 1996).

Hoje em dia, os alunos interagem diariamente com tecnologia baseada em algoritmos: motores de busca, sistemas de recomendação e feeds de redes sociais. Estas ferramentas baseiam-se na probabilidade, na álgebra linear e na ciência dos dados. Ao destacar estas ligações, os professores podem desmistificar a matemática e mostrar o seu impacto na vida quotidiana (Devlin, 2011).

A estatística, em particular, é uma porta de entrada para a relevância. A análise de conjuntos de dados reais – desde o desempenho desportivo até às alterações climáticas – ajuda os alunos a desenvolver a capacidade numérica e a ver a matemática como uma linguagem de evidência. As tarefas podem incluir a interpretação de gráficos nas notícias, questionar métodos de inquérito ou explorar correlações em conjuntos de dados públicos (Gal & Garfield, 1997).

A modelação de situações reais é outra ferramenta poderosa. Por exemplo, os alunos podem analisar os custos e benefícios dos carros eléctricos, utilizando funções e inequações para comparar despesas a longo prazo. Ou podem simular a propagação de uma pandemia utilizando modelos exponenciais. Estas tarefas fazem a matemática sentir-se viva.

O objetivo não é reduzir a matemática à utilidade, mas revelar o seu papel na forma como vivemos e tomamos decisões. Ao basear as aulas em contextos significativos, os professores ajudam os alunos a apreciar tanto a beleza como o poder da matemática.

Mudanças pedagógicas para a educação atual

Para ensinar matemática é necessário estimular o pensamento crítico e a sua relevância. Os professores devem adotar práticas pedagógicas que vão além da aprendizagem mecânica. Para tal, não é necessário abandonar a estrutura ou o rigor, mas sim reimaginar a forma como o conteúdo é apresentado e explorado (Freudenthal, 1991).

A aprendizagem ativa é uma estratégia fundamental. Abordagens como a aprendizagem baseada em problemas (PBL), a aprendizagem baseada na investigação (IBL) e as salas de aula invertidas colocam os alunos no centro do processo de aprendizagem. Em vez de receberem passivamente a informação, os alunos investigam, colaboram e reflectem (Prince, 2004).

Por exemplo, uma tópico sobre funções lineares pode começar com um desafio do mundo real: planear um orçamento para uma pequena empresa. Os alunos terão de formular equações, testar hipóteses e justificar decisões. Isto reflecte a forma como a matemática é utilizada na vida: integrada, contextual e iterativa.

As abordagens interdisciplinares também são importantes. A matemática pode ser associada à ciência, à economia ou mesmo à ética. Discutir as implicações éticas das decisões sobre IA, por exemplo, pode tornar os conceitos abstractos mais tangíveis. Estas ligações preparam os alunos para pensar de forma holística (English, 2016).

A avaliação também tem de evoluir. Em vez de se concentrarem apenas nas respostas corretas, os professores podem incluir tarefas abertas, portefólios e reflexões que captem o pensamento dos alunos. Isto alinha a avaliação com os objectivos mais amplos de raciocínio e aplicação.

Os próprios professores precisam de apoio. O desenvolvimento profissional que modela a aprendizagem ativa e oferece estratégias concretas na sala de aula é crucial. A colaboração entre pares e o planeamento de aulas partilhadas podem tornar a inovação sustentável (Desimone, 2009).

A educação matemática encontra-se numa encruzilhada. Numa época definida pela complexidade e pela mudança, os alunos precisam de mais do que fluência processual; precisam de pensar criticamente, questionar profundamente e aplicar a matemática de forma significativa. Ao abraçar a relevância e promover o envolvimento ativo, os educadores podem transformar a matemática de um assunto que provoca ansiedade numa fonte de capacitação. A sala de aula torna-se não apenas um local para aprender fórmulas, mas um espaço de preparação para um mundo onde a matemática está em todo o lado – e onde pensar claramente nunca foi tão importante.

Referências

Boaler, J. (2016). Mathematical mindsets. Jossey-Bass.

Desimone, L. M. (2009). Improving impact studies of teachers’ professional development: Toward better conceptualizations and measures. Educational Researcher, 38(3), 181–199. https://doi.org/10.3102/0013189X08331140
Devlin, K. (2011). The man of numbers: Fibonacci’s arithmetic revolution. Bloomsbury Publishing USA.

English, L. D. (2016). Interdisciplinary mathematics education: State-of-the-art perspectives. Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-42267-1

Freudenthal, H. (1991). Revisiting mathematics education: China lectures. Springer. https://doi.org/10.1007/978-94-011-3184-4

Gal, I., & Garfield, J. B. (Eds.). (1997). The assessment challenge in statistics education. IOS Press.

Kilpatrick, J., Swafford, J., & Findell, B. (2001). Adding it up: Helping children learn mathematics. National Academies Press.

Kuhn, D. (1999). A developmental model of critical thinking. Educational Researcher, 28(2), 16–25. https://doi.org/10.3102/0013189X028002016

National Council of Teachers of Mathematics. (2018). Catalyzing change in high school mathematics: Initiating critical conversations. NCTM.

Niss, M. (1996). Goals of mathematics teaching. In A. Bishop et al. (Eds.), International handbook of mathematics education (pp. 11–47). Springer.

Prince, M. (2004). Does active learning work? A review of the research. Journal of Engineering Education, 93(3), 223–231. https://doi.org/10.1002/j.2168-9830.2004.tb00809.x

Schoenfeld, A. H. (1992). Learning to think mathematically: Problem solving, metacognition, and sense-making in mathematics. In D. A. Grouws (Ed.), Handbook of research on mathematics teaching and learning (pp. 334–370). Macmillan.